Corpos podem ser sensores da paisagens, propagadores de mensagens, inaladores de fumos, incubadores de vírus, arguentes de um processo de reparação. O corpo de um rio fica ferido pela lavagem de minério, o corpo de um mineiro fica ferido pela silicose, os corpos de crianças que ainda não nasceram ficam feridos pela ausência de reparação. E nem todas as marcas desse diálogo entre corpos e paisagens podem ser percebidas com a mesma linguagem – estimulam-nos a imaginar outras línguas e outras formas de pressentir a realidade.
Entre os dias 18 e 21 de outubro, apresentamos um conjunto de performances e conversas no município do Fundão que ensaiam a imaginação em torno de corpos sensores. O programa resulta de uma residência artística no município em maio deste ano, onde visitámos as escombreiras das Minas da Panasqueira (que carregam a história do tungsténio e da Segunda Guerra Mundial, e nos chega até hoje manchada por morte e contaminação), a luta contra a exploração de lítio na Serra de Argemela e em Gonçalo, a história de monocultura de pinheiro e da invenção nacional da cereja da Serra da Gardunha, mas também de práticas de regeneração e cuidado que atuam no território como medicinas sensíveis.
Dois projetos foram apoiados e construídos neste contexto desta residência, dos quais apresentamos dois aberturas ao público em processo: "Aeromancia" de Alina Ruiz Folini, dançado com Emily Silva e Bibi Dória, que busca hackear os fluxos respiratórios que inalam a violência heteronormativa; e "Conspirações", de Teresa Castro, que tateia o formato da conferência-performance, agregando – mas também alucinando – as narrativas ambientais da Beira Baixa que fomos coletando na residência.
Além destas duas apresentações, propomos uma série de atividades em diálogo com pessoas que participaram do processo de trabalho da Terra Batida no Fundão. No Agrupamento de Escolas do Fundão, faremos oficinas e apresentações para a comunidade escolar em diálogo com a Prof. Rosalina Gomes. Em Póvoa de Atalaia, no Monte dos Carvalhos, faremos uma refeição oracular juntando as práticas de Alina Ruiz Folini aos conhecimentos de plantas de Emma Cowan. Na Casa do Bombo de Lavacolhos, co-organizamos uma sessão de cinema e performance com o Cineclube da Gardunha, onde veremos um paródico e trágico documentário de Luc Moullet sobre as múltiplas escombreiras deixadas pela mineração, seguido de uma performance de Rita Natálio em torno da palavra fóssil. Para quem gosta de caminhar, faremos ainda uma atividade com o artista colombiano Pablo Quiroga Devia e os Caminheiros da Gardunha, praticando o desenho e a atenção à paisagem.
18 OUT
16h–18h
ESCOLA SECUNDÁRIA DO FUNDÃO
Atividade com o Clube de Teatro, Direitos Humanos e Ciências
19 OUT
10h10–12h10
ESCOLA SECUNDÁRIA DO FUNDÃO (Auditório)
Performance
"Fóssil" (excerto)
De: Rita Natálio
Música e apoio técnico: Rui Antunes
20 OUT
14h30–17h30
MONTE DOS CARVALHOS, PÓVOA DE ATALAIA
Convívio/performance
"Refeição oracular"
de Alina Ruiz Folini com Emma Cowan
21 OUT
9h30 - Saída do autocarro, praça Amália Rodrigues, Fundão
10h–13h
TRAJETO CIRCULAR EM LAVACOLHOS
Caminhada
com Pablo Quiroga Devia e Caminheiros da Gardunha
13h
CASA DO BOMBO, Lavacolhos
Almoço
15h
CASA DO BOMBO, Lavacolhos
Sessão em parceria com o Cineclube da Gardunha
Performance
"Fóssil" (excerto)
de Rita Natálio
+
Filme
"La cabale des oursins" / "A cabala de ouriços" (1991)
de Luc Moullet
18h
A MOAGEM – CIDADE DO ENGENHO E DAS ARTES
Conferência-performance (trabalho em processo)
"Conspirações"
de Teresa Castro
40' aprox. / M/12
No céu noturno do Fundão, um misterioso comboio de luzes traça caminho em direção às estrelas. Habituada aos visitantes de outros mundos, movidos pela ganância intergaláctica suscitada pelas suas reservas minerais, a Serra da Gardunha assiste impassível à formação duma constelação de satélites. Como numa conspiração, tudo se encontra ligado: cerejas e start-ups, satélites e explorações de lítio, escombreiras e campos de centeio contaminados com fungos alucinógenos. Entretanto, um carvalho venerando desaparece num incêndio e um mineiro doente transforma-se em vedor, pressentindo a água no subsolo. Algures nas margens de uma ribeira sulfurosa, entre giestas nativas e mimosas invasoras, co-inspiram-se poeiras tóxicas e formas de rexistir.
Conceito e criação: Teresa Castro
Artista convidado: Pablo Quiroga Devia
19h
Performance (trabalho em processo)
"Aeromancia"
de Alina Ruiz Folini com Bibi Dória e Emily da Silva
60' aprox. / M/12
Ao conhecer as minas abandonadas do Cabeço do Pião, no Fundão, ficou no corpo o sufoco dos restos tóxicos da mineração: partículas de poeira contaminadas, histórias silenciadas dos trabalhadores explorados e, também, a monocultura do sistema heterossexual obrigatório. Partindo desse afeto, tomamos como ponto de partida o gesto da respiração na sua potência transformadora e alucinatória. Investigamos a matéria do ar como uma interface invisível e viva, que cria circulações e misturas inesperadas entre seres humanos e mais que humanos. Conspiramos ficções de uma comunidade conectada através do ar e pelos ritmos coletivos da respiração. Experimentamos erotismos e vitalidades a partir da escuta da respiração, convocando forças vaporosas, etéreas e circulantes.
Conceito e direção: Alina Ruiz Folini
Criação e performance: Alina Ruiz Folini, Emily da Silva, Bibi Dória
Criação em vídeo: Patrícia Black
Apoios: Bolsa de Formação Fundação C. Gulbenkian, DAS Choreography, Universidade das Artes de Amsterdão - AHK
Residências: Estúdios Victor Cordon (Lisboa), Estúdio Parasita (Lisboa), Piscina (Lisboa), Materiais Diversos / Grand Studio (Bruxelas)
Encontros educativos e nutritivos em torno de florestas, com artistas e cientistas de Portugal e do Brasil que acompanham processo de desflorestação e monocultura, mas também estratégias de regeneração.
Se em Portugal, ‘paisagens em ruína’ (conceito de Anna Tsing) são o resultado do cultivo intensivo de eucaliptais, do êxodo rural, e dos mega incêndios como os de Pedrógão Grande, no Brasil, territórios marcados pela remoção forçada de populações indígenas e pelo agronegócio, contrastam com uma pulsante megadiversidade, que continua a evidenciar a potência política e social de se viver e trabalhar numa “floresta de pé”.
Num tom de encontro e círculo de estudos, a Escola Refloresta Livre é um programa de 3 dias, composto de workshops (gratuitos, por inscrição), seguidos de conferências (de entrada livre). As práticas artísticas serão o mote do encontro e da discussão coletiva.
A Escola Refloresta Livre conta com o arquiteto Paulo Tavares que intervém em diferentes contextos florestais sul americanos com iniciativas que questionam o campo das “naturezas visuais” e dos direitos não-humanos; Helen Torres e Zoy Anastassakis que farão uma abordagem a ferramentas da ficção especulativa, práticas de leitura e escrita, e teorias da antropologia multiespécie; Paulo Pimenta e Castro coautor do livro “Portugal em Chamas – Como Resgatar as Florestas” (2018) e o projeto À Escuta, iniciativa desenvolvida no Parque Natural da Serra da Estrela e sua envolvente por Joana Sá, Luís J Martins, Corinna Lawrenz e Nik Völker. Terá ainda lugar uma formação online com Geni Núñez, ativista indígena e psicóloga que tem inspirado reflexões instigantes sobre as relações entre reflorestação e não-monogamia, e que guiará a jornada “Reflorestamentos afetivos: pistas para descolonização”.
Este programa é uma primeira introdução à pesquisa e à partilha de saberes sobre as florestas portuguesas e seus conflitos, a partir de uma perspectiva transdisciplinar, que prepara uma residência mais completa da rede Terra Batida, na região Centro, em 2023, em parceria com o Município do Fundão.
PROGRAMA
REFLORESTAMENTOS EFETIVOS E CASA FLORESTA
18 NOV
Workshop
Reflorestamentos afetivos: pistas para descolonização por Geni Núñez
Online | 15H-17H
Conferência
'À Escuta: Casa Floresta' com o coletivo A' Escuta
O colapso do modelo económico associado ao eucalipto com Paulo Pimenta Castro e moderação de Rita Natálio
SLTM-Sala Mário Viegas | 18H-19H30
19 NOV
Workshop
Espaço é direito, arquitetura é advocacia, com Paulo Tavares
SLTM-Sala Bernardo Sassetti | 15H-18H
Conferência
Reparações, com Paulo Tavares e moderação de Rita Natálio
SLTM-Sala Mário Viegas | 18H-19H30
20 NOV
Workshop
'O fogo e a floresta: experimentos de difração, fabulação e especulação' por Helen Torres e Zoy Anastassakis
SLTM-Sala Bernardo Sassetti | 15H -18H
Conferência
'O que nos contam as florestas em chamas? Histórias de ruínas e ressurgências em fricção', com Helen Torres e Zoy Anastassakis e moderação de Rita Natálio
SLTM-Sala Mário Viegas | 19H-20H30
O que é a Escola Refloresta Livre?
A Escola Refloresta Livre é um programa de 3 dias organizado pela plataforma Terra Batida.
O programa é composto por 3 workshops acessíveis mediante inscrição prévia e 3 conferências de acesso público. As atividades do programa acontecem ao longo das tarde dos dias 18,19 e 20 de novembro.
Em que consiste a escola?
A escola dedica-se à pesquisa e à partilha de saberes sobre florestas e seus conflitos, em Portugal e no Brasil, a partir de uma perspectiva transdisciplinar. Serão feitas partilhas de ferramentas, ativação de práticas artísticas, apresentações de projetos em curso e debates.
Como posso participar nos workshops?
A participação nos workshops é feita mediante inscrição obrigatória via formulário google.
Podes aceder ao formulário AQUI
Pedimos que as pessoas inscritas possam participar nos três workshosps em pelo menos uma conferência. É por isso dada prioridade de acesso a quem possa participar no maior número de atividades.
Os workshops têm uma capacidade máxima de 50 pessoas. E as pessoas inscritas têm lugar garantido nas conferências.
Posso assistir apenas às conferências ?
Sim, para assistires às conferências basta reservar o teu bilhete na bilheteira online, no dia anterior à conferência, ou levantar na bilheteira do São Luiz Teatro Municipal no próprio dia do evento e até meia hora antes do início.
A lotação é limitada à capacidade da sala.
Qual o custo da Escola Refloresta Livre ?
Todas as atividades da Escola são gratuitas.
Para participar tenho que ter alguma formação prévia?
Não. É uma proposta para todas as pessoas.
O programa destes 3 dias é sobretudo um convite à coletivização da experiência do desaparecimento histórico e do luto ambiental, mas também à presentificação do afeto por entes ou pessoas não-humanas. Algumas das propostas traduzem as experiências em residência da artista coreográfica e da imagem Ana Pi e do artista visual Irineu Destourelles que foram convidades a se debruçar sobre a cidade de Lisboa e suas dinâmicas de trânsito, circulação e exclusão. Também se atualizam pesquisas já iniciadas no ano passado como as sessões de “Leitura de Seres Vegetais” de Alina Ruiz Folini e Ana Rita Teodoro, ou uma caminhada performativa pelo Rio Tejo proposta por Margarida Mendes e Maria Lúcia Cruz Correia que incidirá sobre as disputas atuais em torno da construção de um novo aeroporto para a cidade de Lisboa. No dia 20, Dia da Consciência Negra no Brasil, abrem-se os caminhos e as consciências com uma performance inédita de DIDI com a participação de Pri Azevedo seguida de uma celebração.
20, 21 e 22 Novembro
"Leitura de seres vegetais" de Alina Ruiz Folini e Ana Rita Teodoro com Suiá Ferlato
20 de Novembro
"Essa tal consciência" de DIDI com Pri Azevedo
"Tarantode no espaço urbano desmemoriado", de Irineu Destourelles com a participação de Gio Lourenço
21 de Novembro
"Caudal Restaurativo", de Margarida Mendes e Maria Lúcia Cruz Correia
22 de Novembro
"Fumaça", de Ana Pi
FICHA TÉCNICA
Pesquisa e organização_Rita Natálio
Ciclo público com ações e performances_Ana Pi, Ana Rita Teodoro & Alina Ruiz Folini, DIDI, Irineu Destourelles, Margarida Mendes & Maria Lúcia Cruz Correia
Programa de residência com participações e diálogos com_António Carmo Gouveia, Alexandra do Carmo, António Brito Guterres, Cátia Sá, Di Candido aka DIDI, Dani d’Emilia e Sarah Amsler, Guy Massart, Maria Helena Marques, e os projetos coletivos Bela Flor Respira, Comunidade Portuguesa de Candomblé Yorùbá e Gesturing Decolonial Futures Collective.
Direção técnica_Eduardo Abdala
Assistência técnica à residência_Artur Pispalhas
Documentação do ciclo:_Aline Belfort
Produção Executiva_Associação Parasita
Produtora_Carolina Gameiro
CoProdução_Alkantara
Residências_Espaço Alkantara
Parasita é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal – Ministério da Cultura/Direção-Geral das Artes
Nesta conversa, partilharemos metodologias de trabalho da rede Terra Batida e apresentaremos o resultado do trabalho editorial de Margarida Mendes e Marta Mestre para o site Terra Batida com textos inéditos de Ana Vaz, Brian Holmes, João Prates Ruivo, Marta Macedo e Margarida Mendes, para além de uma seleção de textos de outros autores essenciais nas área das humanidades ambientais, tais como Veronica Strang, Godofredo Pereira, Astrida Neimanis, Pedro Neves Marques, Paulo Tavares, Paulo Guimarães, e a poesia de Peter Zin e de Rita Natálio.
Com a participação de Rita Natálio, Alina Ruiz Folini, Ana Rita Teodoro, Joana Levi, Marta Lança, Marta Mestre, Margarida Mendes, Nuno da Luz e Vera Mantero.
Durante o projeto Terra Batida 2020, Ana Rita Teodoro desenvolveu, junto com Alina Ruiz Folini, um oráculo de leitura de vegetais. Tratava-se de um protocolo experimental onde uma pergunta era colocada a um ser vegetal. O que se pretendia com este oráculo, não era tanto adivinhar o futuro, como praticar uma observação atenta da soberania do ser vegetal, religando alimento e afeto.
Neste workshop/encontro procuramos partilhar esta prática ao mesmo tempo que a desenvolvemos com o grupo de participantes. A ideia é criar um comité de leitura disposto a ser encantado e a encantar. Porque consideramos que esta prática pode ser usada por todas as pessoas.
A partir de um olhar sobre processos de migração, extinção e conservação de aves — propiciado pelas residências do projeto Terra Batida no Alentejo — Joana Levi apresenta Rasante, uma performance-em-processo que se desenrola como uma fábula meditada ou uma meditação fabulada, colocando em jogo perspectivas e conflitos interespécies. Neste jogo, o sedimento das fronteiras hierárquicas estabelecidas entre “Humano” e “Animal” aparece como máquina replicadora de relações coloniais, racionalistas, supremacistas que não cessam de entulhar e aterrar o presente do futuro.
A apresentação é seguida de uma conversa entre Joana Levi e Rita Natálio.
Este ano, no Espaço Alkantara, a rede Terra Batida propõe uma residência de pesquisa com foco na cidade de Lisboa e nos trânsitos em diferentes escalas (centro/periferia, rural/urbano, nacional/internacional, passado/futuro, local/global). Abrimos as portas do Espaço Alkantara para a partilha da investigação de Ana Pi com pessoas convidadas, participantes na residência.
Apresentação de Irineu Destourelles, em conversa com a antropóloga Maria Helena Marques a partir do seu livro Guardar as sementes: preservar a biodiversidade agrícola e a pluralidade cultural e com Guy Massart, pesquisador independente e professor de antropologia no instituto Universitário MEI_A, Mindelo, Cabo-Verde, que realiza projectos etnográficos experimentais, tanto em termes de meios de comunicação (www.masscabas.net) do que em termos de métodos de pesquisa participativa, nomeadamente como crianças e jovens.