Editorial (2020)
Margarida Mendese Marta Mestre
Como dar sentido a dinâmicas tão distintas como as das produções intensivas da nova paisagem alentejana, as redes de cooperação agroecológica fora das grandes cidades, ou as novas indústrias extrativas que avançam no fundo do Atlântico? Articulações entre Terra, Mar e os territórios urbano e rural, são calcorreadas pelo projeto Terra Batida (TB), nos seus múltiplos desdobramentos políticos, estéticos e ontológicos, através de uma discursividade criativa entre artistas, cineastas, investigadores e ativistas.
Activar o debate interseccional sobre ecologia, no qual se cruzam questões raciais e laborais, pensamento político contemporâneo ou exploração colonial é o principal objetivo desta selecção editorial. Para a desconstrução do projecto extractivista, aquele que impõe a soberania expropriadora de recursos, é necessário considerar uma polifonia de vozes, pontos de origem diversos e pontos de chegada em negociação.
Partindo do local em que estamos inseridos (este canto da Europa meridional), e ampliando a lente de observação para o mundo pós-pandémico, procurámos encontrar paralelismos entre mobilizações estéticas e políticas e investigações críticas, cruzando oceanos e fronteiras imaginárias do Estado-nação.
Reúnem-se cinco ensaios inéditos, para além de textos seleccionados ou da autoria dos membros da rede TB. João Prates Ruivo partilha a sua investigação sobre o legado colonial da ciência do solo que contrasta as diferenças e continuidades entre genocídio, ecocídio e epistemicídio. Marta Macedo faz um ponto de situação entre as infraestruturas contemporâneas de produção de óleo de palma em São Tomé, traçando uma genealogia de exploração da natureza e do trabalho na ilha, que se cruza com a história do café e do cacau. Ana Vaz desvia-nos num longo mergulho poético partilhando connosco o processo de criação do seu filme Apiyemiyekî? (2019), que expõe o trauma infligido pelo genocídio do povo Waimiri-Atroari nos anos setenta no Brasil. Por sua vez, Brian Holmes narra a sua investigação sobre os sistemas fluviais e a expropriação de territórios causada pela exploração de hidrocarbonetos, com enfoque no rio Mississipi. Alargando o pensamento sobre infraestruturas dos rios, Margarida Mendes apresenta um texto sobre a importância dos sapais e zonas húmidas como ecossistemas fundamentais para o sequestro de carbono e resiliência climática, demonstrando problemáticas urgentes do Tejo, como os planos de construção do aeroporto do Montijo, ou o caso de contaminação da Celtejo.
Estas perspectivas cruzam-se com textos seleccionados de outros autores essenciais nas áreas das humanidades ambientais, tais como Veronica Strang, Godofredo Pereira, Astrida Neimanis, Pedro Neves Marques, Paulo Tavares, Paulo Guimarães, e a poesia de Peter Zin e de Rita Natálio, numa seleção que se pretende crescente e ressonante, contígua com a edição especial do jornal Mapa & Terra Batida, e os diálogos vindouros da rede TB.