Superintensiva (2020)

Marta Lança

Trailer

Atravessar um olival de vários tons e intensidades. Começou a ganhar forma na minha cabeça quando procurava qualidade de vida, isto é, ar e espaço, para criar uma criança. Num monte de cultura de sequeiro, as flores silvestres brotam dentro e fora do murinho de pedra-sobre-pedra. Ourique, capital do porco preto e seus lagartos, secretos, plumas e bochechas. No caminho de carro, vejo estacas branquinhas alinhadas ao estilo cemitério americano. Passados uns meses, sub-oliveiras atrofiadas no tamanho e na copa, de produção precoce, assistida por herbicidas e agroquímicos. Fecho os vidros ao fumo pestilento do bagaço de azeitona, imagino as partículas contaminadas no fumo e nas linhas de água, na roupa, nas paredes, nos pulmões. Contraposta ao ar contaminado e ao tempo que esboroa, a resiliência da oliveira, guardiã de línguas proféticas e do Mediterrâneo, madrinha dos nossos refugados. Procuro tecer familiaridade, vestígio e estranheza, numa paisagem de experimentação política, onde há séculos se resiste à pobreza, seca, despovoamento e exploração.

NOTAS
FICHA TÉCNICA

Conferência-performance – Marta Lança

Ensaio visual – Maria Mire

Sonoplastia – Nuno Morão

MARTA LANÇA

Lisboa, 1976. Doutoranda em Estudos Artísticos (com bolsa da FCT). Os temas de pesquisa passam pelo debate pós-colonial, programação cultural, processos de memorialização, plataformas de discurso e estudos africanos. Desde 2010, é editora do site BUALA. Escreve para publicações em Portugal, Angola e Brasil. Traduziu do francês livros de Maxence Fermine, Jacques-Pierre Amettea, Asger Jorn e Achille Mbembe. Lecionou na Universidade Agostinho Neto, Luanda. Como programadora: Roça Língua, encontro de escritores lusófonos (São Tomé e Príncipe, 2011); o ciclo Paisagens Efémeras, dedicado a Ruy Duarte de Carvalho (2015); com Rita Natálio, Expats (FITEI, 2015); Vozes do Sul para o Festival do Silêncio (2017); colaborou no projeto NAU, com o Teatro Experimental do Porto (2018); com Raquel Lima, Para nós, por nós: produção cultural africana e afrodiaspórica em debate (2018) e foi curadora do programa Eu sou esparça e a liquidez maciça. Gestos de Liberdade (Maat, 2020). Tem experiência em cinema (pesquisa, produção, argumento, representação).

MARIA MIRE

Maputo, 1979. Artista plástica. Tem trabalhado de modo colaborativo em diversos coletivos artísticos. O trabalho artístico e de investigação que desenvolve é sobretudo centrado nas questões da percepção da imagem em movimento. Realizou o filme Parto sem Dor, a partir da figura da médica obstetra Cesina Bermudes. Atualmente é professora e co-responsável do Departamento de Cinema/Imagem em Movimento do Ar.Co, em Lisboa. Doutorada em Arte e Design pela Faculdade de Belas Artes do Porto em 2016, com a tese "Fantasmagorias: a imagem em movimento no campo das Artes Plásticas".