Poemas

Rita Natálio

GEO 

 

Desde que esqueci o ego

com cascas de amendoim 

numa praia cheia

pude escutar o chamado 

do avanço do recuo 

das fronteiras

reticências e gotejos de pessoa

      (antes eu)

foram parar ao mar

 

e cheguei a rochear

como escarpa 

como arriba 

acima de um ponto 

onde só se via o mar

pelo banho 

pelos beijos espasmos 

 

de sal, o amor furou

tímpanos na rocha 

aquela rocha que não era eu 

porém escutava 

o movimento do mar 

que era tímpano em erosão

desde que esqueci o ego.

 

POLVO POLIHUMANO

 

ninguém explica o segredo do polvo

a dor esticada de um cefalópode na rede

coração nada 

nada por dentro 

 

por exemplo

fui triste aqui

sou triste lá

(polvo triste)

a tristeza é viral na rede

(polvo preso na rede)

os polvos são poços de desespero

(polvo profundo da extração)

panela

 

ninguém sente como eu

ou ninguém como eu 

comeu

ou sente o mesmo facto

de que um polvo não sou eu

de que me afogo no seu caldo

polimórfico

(and love the polvo)

 

“ninguém” escreve 

ou “eu” não escreve

que só “eu-polvo” escrevemos

simpoesia

da extinção

não a extinção das espécies

claro está

(polvo como polvo, eu como eu)

mas a extinção das palavras que especiam

eu-polvo-mesa-nos-comemos

polvo-corpo-eu-mar-de-ligações

 

eu-polvo-nos-queimamos 

os tentáculos 

eu-polvo-nos-pagamos-lhes

as dívidas 

pela desigualdade histórica

eu-polvo-tu-nós-mar

suprimi(re)mos a história

mima(re)mos o tempo

revitaliza(re)mos os mitos da 

reparação

devolve(re)mos os crânios Herero

abri(re)mos nossas próprias

cabeças

para delas retirar o caldo das

consciências. 

eu-polvo-nós-sempre-mar-aqui-agora-nada-

-no-coração-da-plenitude-na-panela-

-altitude-dos-planetas-re-clama-remos-
-remos-da-extinção-no-nada-claro-está.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

SPACESHIP EARTH

 

vá para fora cá dentro

nave-terra viaja em casa

se a casa é a base

se a casa é a nave

se a cave é o resto da nave

onde tudo cabe

nave-terra viaja em casa

xeno-guerreirxs nos protejam 

amén!

comam ramen

amem-se (em casa)

vá para fora cá dentro

um quarto que seja só seu

uma casa

quem tem casa tem tudo

quem tem tudo rouba tudo

que não tem casa está nu

xeno-guerreirxs nos protejam 

amén!

contra os vírus, amen

amem-se (em casa)

com écrans pálpebras 

naveguem em casa

fodam em casa

nave terra deixou muitxs sem casa

sem terra, 

na cave

vá sem fora para dentro

pise guerreirxs-xeno

cheire 

excite a nave

ramen 

ofereça ramen

ame

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AS PLANTAS E SEUS P(L)ODERES

 

As plantas e seus ploderes

implantam além do chão

escavam estacas no planeta

escarram esse planeta 

implodem seus nervos no chão.

 

As plantas e seus ploderes

não unem planos a plutão

a sua sideração mora nas árvores

são plantas-baldias

plantas-indígenas plantas-tesão

implantam os tobogans da seiva

no dorso persistente do cavalo-chão.

 

Suas nervuras são contra o estado

suas ficções anti-políticas

suas frutas raízes do sim e do não

auto-cénicas auto-transgénicas

as folhagens das plantas

há muito que agem na

retaguarda da negociação

são vírus da linguagem

verdete e voragem

certeza daninha

do musgo espalhado 

sem centro irradiante

da expressão.

 

Porém,

é mentira achar nas plantas 

um novo pretexto para a razão

porque as plantas e seus ploderes

são intransigentes seres

da expressão

jamais serão gente

se gente não virar ente

e jamais estarão rente

se não descermos até ao chão.

 

A IRRESPONSÁVEL PERGUNTA

 

Perguntar “o que é a relva?”

perguntar o que aponta longe

onde nem o verde

nem o azedo da selva

aprovariam o costume de perguntar

o que é denso

o que se espalha

o que cresce em abundância

em fios de cabelo verde atónitos

que jamais aprovariam

o costume de afastar

o objeto de seu sujeito esverdeado

pela pergunta

a irresponsável pergunta sobre o que é a natureza.

Tradução para o inglês de Tiffany Higgins

NOTAS
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